Artigo

A Semana de Arte Moderna de 1922 e suas relações com a moda

Figurisnos femininos típicos dos anos de 1920. Imagem: Reprodução.

Nesta semana é celebrado o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 ocorrida em São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro daquele ano, no Teatro Municipal da cidade. O evento, além de ter representado uma verdadeira renovação da linguagem artística, trouxe a experimentação e a liberdade criadora a partir de uma ruptura com a estética do passado (sobretudo a relacionada ao século XIX), tendo reflexos na poesia, na música, nas artes plásticas, na arquitetura e também na moda.

No que diz respeito à moda, as relações entre esta e a arte já foi um assunto tratado aqui no blog. Assim, a presente publicação prende-se aos figurinos de dois grandes nomes do modernismo brasileiro: o poeta Oswald de Andrade e a artista plástica Tarsila do Amaral, mostrando que a partir da maneira como eles se apropriaram das roupas para moldar suas aparências, acabou por ajudar a expressar o próprio movimento modernista brasileiro.

CHOQUE CULTURAL

Segundo PAZ (2011), a década de 1920 foi pontuada por choques culturais diversos. Entre eles, a mudança do modo de vida rural para o urbano, a entrada da mulher no mercado de trabalho, o pós-guerra a industrialização incipiente, entre outros. O próprio comportamento feminino da época exemplifica muito bem esses novos e chocantes padrões. No trecho citado abaixo encontramos um interessante exemplo das mudanças destacadas acima:

“(…) É a moça de hoje que já não precisa da mamãe vigilante, nem a senhora de companhia (…) Como os cabelos, como os vestidos, como o rosto, a moça de hoje já fixou o espírito. Fê-lo mais livre (…) fê-lo apto e forte (…) Nas repartições públicas, no balcão, na fábrica ou das grandes casas, ela sabe estar sozinha pela vida (…)”. (SALLES, 1920, apud SEVCENKO, 2006)

GUARDA-ROUPAS MODERNISTA

Entre os artistas que participaram do movimento modernista de 1922, a importância de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade é indiscutível. O casal, chamado de “Tarsiwald”, apelido que exalava frescor e vanguarda, foi um produto da elite paulistana e que soube utilizar a moda para elaborar suas figuras e obras, fazendo do seu vestuário um desdobramento do imaginário do modernismo, como pontuou TORRES (2022).

Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Foto: Fundo Oswald de Andrade/Centro de Documentação Cultural (Reprodução)

Desta forma, se é possível afirmar que a dupla influenciou fortemente o mundo da literatura e das artes plásticas por meio de suas obras, o poeta e a pintora se destacaram também pelo próprio ato de vestir.

Nesse sentido, Tarsila e Oswald conheciam muito bem o valor da moda e das aparências em seu processo de afirmação como artistas no Brasil e na Europa. E, ao mesmo tempo em que se apropriaram das roupas para se expressarem, acabaram colaborando para definir a estética do movimento modernista, como afirma CASARIN (2022). Professora de História do Vestuário e da Moda ela mostra, a partir de diferentes registros da época sobre vestimentas, pinturas, obras literárias etc, como os ideais modernistas e as contradições do movimento podem ser compreendidos a partir da escolha das roupas usadas pelos dois artistas.

Ainda segundo CASARIN, no que diz respeito ao modo de vestir, Oswald e Tarsila merecem destaque pela maneira vanguardista como se vestiam, ainda que de formas distintas, construindo juntos suas marcas visuais.

OSWALD DE ANDRADE: O EXCÊNTRICO VANGUARDISTA

Ainda que as roupas de Tarsila tenham sido sempre elogiadas ao longo da história, cabe a Oswald o título de o mais arrojado do casal.

“Oswald tinha uma aparência geral mais moderna que Tarsila. Ele adotou já na década de 1920 um estilo com referências muito joviais que só estourou de fato no Brasil nos anos 1960”, disse BRAUN (2022).

O figurino “vanguardista” de Oswald de Andrade. Foto: Reprodução

No guarda-roupa do poeta havia muitos trajes coloridos e estampados que ele utilizava com sobreposições pouco comuns na época. Oswald também era adepto dos colarinhos moles, diferentes dos engomados usados pela maioria dos homens de então. Além disso, há registros do poeta usando um tipo de chapéu e paletós sem colete, incomuns ao vestuário de 1920, que o permitiam transitar confortavelmente entre os visuais mais descontraídos aos mais formais.

“Na alfaiataria dinâmica de Oswald de Andrade, cabem roupas que transitam do homem de negócios burguês ao excêntrico vanguardista” (CASARIN, 2022).

TARSILA DO AMARAL: A EXUBERÂNCIA NO VESTIR

No closet de Tarsila não faltavam peças luxuosas da alta-costura europeia. Durante os anos de 1920 ela vez inúmeras viagens a Paris, ocasiões em que aproveitava para visitar os ateliês de conceituados estilistas, como Jean Patou e Paul Poiret, os grandes responsáveis pelo look de Tarsila. Assim, a partir do momento em que começa a vestir a alta-costura francesa, a artista muda a sua aparência a qual se torna menos discreta e mais exuberante.

“A figura de mulher elegante e rica se converte na imagem da artista exuberante – e a escolha da grife [Poiret] participou dessa transformação” (CASARIN, 2022).

Em uma das imagens mais famosas da artista (foto abaixo), ela aparece em sua primeira exposição individual na Galeria Percier em Paris, em 1926, usando o vestido “Écossais” assinado por Paul Poiret. Ainda de acordo com a pesquisadora, esse traje de Tarsila traz elementos típicos do modernismo. O modo como o xadrez foi utilizado na criação do vestido acaba por desenhar um grande losango centralizado na parte superior do corpo, dando também um caráter tradicional que remete aos vestidos xadrez usados no interior do Brasil.

Tarsila do Amaral durante sua exposição em Paris, em 1926. Foto: Reprodução.

“E ao mesmo tempo que é arrojado, o vestido tem um caráter tradicional, de roupa caipira, que ressoa com o modernismo brasileiro.” (CASARIN, 2022).

DA VIDA LUXUOSA À POBREZA

O casamento de Tarsila com Oswald durou até 1929, mesmo ano em que devido à crise financeira (chamada de a “Grande Depressão”), as famílias do casal acabaram por perder muitos dos bens que possuíam. Além disso, passado o auge do modernismo no Brasil, os artistas passaram a deixar de frequentar a alta sociedade, desaparecendo dos olhares do público. Somando-se a isso, devido à falta de dinheiro o casal teve que abandonar a constante busca pela moda, de forma que o auge dos seus guarda-roupas ficou restrito à década de 20.

“Eles eram muito ricos nos anos 20 e tinham muito dinheiro para gastar em roupas, mas faliram e a dinâmica se tornou inviável.” (BRAUN, 2022).

Apesar da decadência vivida pelos dois artistas, é inegável que o casal deixou a sua marca não apenas na história das artes plásticas e da literatura, mas também na moda brasileira pela forma como se apropriaram do vestir, o que acabou por influenciar toda uma geração ávida por novidades e profundamente marcada, em relação à moda, pela estética ditada pela Europa.

REFERÊNCIAS:

BRAUN, Julia. Semana de Arte Moderna: o Guarda-Roupa Modernista de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. BBC Brasil, 2022. Publicado em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60342576. Acesso em: 14/02/2022.

CASARIN, Carolina. O Guarda-Roupa Modernista – O casal Tarsila e Oswald e a moda. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

PAZ, Augusto. O Modernismo e a Moda Feminina nos Anos 1920. Iara – Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo. Vol. 4, nº 2, dezembro de 2011. Disponível em: < http://www1.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistaiara/wp-content/uploads/2015/01/02_IARA_vol4_n2_Dossie.pdf>. Acesso em: 13/02/2022.

SEVCENKO, Nicolau. História da Vida Privada no Brasil – República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

TORRES, Bolívar. Moda: como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral usaram as roupas para criar o imaginário modernista. O Globo, 2022. Publicado em https://oglobo.globo.com/cultura/livros/moda-como-oswald-de-andrade-tarsila-do-amaral-usaram-as-roupas-para-criar-imaginario-modernista-25380867. Acesso em: 14/02/2022.

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